Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

ERA O HOTEL CAMBRIDGE – Brasil / França / Espanha, 2016 – Direção Eliane Caffé – elenco: Suely Franco, José Dumont, Paulo Américo, Isam Ahmad Issa, Juliane Arguello, Thais Carvalho, Mariana Raposo, Guylain Muskendi Lobobo, Lucia Pulido, Carmen Silva, Ibtessam Umran, Gabriel Tonin – 99 minutos

A QUESTÃO DOS REFUGIADOS ESTÁ EM DISCUSSÃO EM TODO O MUNDO E O CINEMA SÓ AJUDA A LEVANTAR ESSE DEBATE


A cineasta Eliane Caffé registra o dia a dia dos moradores do Hotel Cambridge, tradicional hotel de São Paulo fechado e abandonado em 2011. Um ano depois, foi ocupado por moradores sem-teto, em sua maioria refugiados. A diretora dá uma atenção muito especial justamente a esses refugiados, que vêm ao país sem dinheiro, família ou mesmo conhecimento da língua, em busca de um futuro melhor. Ela passou cerca de dois anos no antigo Hotel Cambridge, para produzir a história, que mescla as vidas reais desse grupo de sem-teto, reencenadas por eles mesmos e um reduzido grupo de atores, como José Dumont e Suely Franco. Desse modo, sobressaem as figuras de Apolo (José Dumont), mas também da atriz Suely Franco, com sua personagem um tanto delirante, egressa de um circo. Também se destaca Carmem Silva, a líder da ocupação, com sua presença forte, dura, às vezes conciliadora, mas que acusa um momento de cansaço que a humaniza profundamente. Toda luta comporta esse instante de desânimo, que deve ser vencido para que tudo prossiga e Carmem vive esse momento de maneira dramática, pungente, e solitária – como convém a uma líder. É uma grande personagem. Um imigrante dá um toque romântico ao se apaixonar pela cinegrafista. E o exilado palestino, o poeta Isam (Isam Ahamad Issa) rouba as cenas de que participa. É ator nato, envolvente, carismático. Seu personagem é cheio da sabedoria universal de quem passou pela guerra e reencontrou-se na solidariedade. O filme é muito atual e importante. A questão dos refugiados está em discussão em todo mundo e o cinema só ajuda a levantar este debate ao oferecer uma visão singela dessas pessoas, que geralmente sofreram muito para chegar até aqui e que muitas vezes são tratadas com desprezo e preconceito, ao invés de acolhimento.


As premiações na Mostra de São Paulo, no Festival do Rio, nos festivais de San Sebastián e de Rotterdam, já atestam a qualidade inquestionável de “Era o Hotel Cambridge”. O quarto longa-metragem da talentosa diretora e roteirista Eliane Caffé (Narradores de Javé), apresentado por ela como uma produção coletiva entre o MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), o GRIST (Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto) e a Faculdade de Arquitetura da Escola da Cidade, é uma autêntica obra de arte cinematográfica, coletiva, social, contundente e comovente. O filme mergulha na intimidade dos diversos personagens que ali vivem, humanizando a imagem de pessoas que são retratadas muitas vezes pela mídia como invasores, vagabundos e aproveitadores. O que vemos são famílias que lutam para se manter, refugiados que tentam se adaptar a distância da terra natal e imigrantes que muitas vezes foram responsáveis pela construção daquela propriedade e mesmo assim estão sem um lar. O mais interessante que mesmo se tratando de uma invasão, a organização de andamento do local é impressionante. A comandante Carmen com punhos fortes rege todos como uma grande mãe que acolhe seus filhos debaixo da asa e os trata com carinho e também com autoridade para que nada saia do controle. 


“Era o Hotel Cambridge” não é um filme antenado apenas por falar conscientemente de um tema do presente, mas por conseguir abordar isso de uma forma extremamente contemporânea. O longa se utiliza de um dos mais potentes artifícios do cinema atual: os limites entre o documentário e a ficção, um achatamento total das dimensões ficcionais e do pretenso registro do real. Assim, gira em torno do filme uma sensação de auto-encenação, como se o filme fabulasse em torno dos acontecimentos que vive. O que se vê na tela não é a tentativa de dramatização dos conflitos vividos naquela ocupação, mas sim uma maneira de representação de si mesmo, como se esse fato ajudasse a compreender o que ocorre no mundo real. Eliane Caffé adota a ação política e física como foco, justamente o outro lado da moeda. Em um, tratamos do “lado de dentro”. Em outro, “do lado de fora”. O mesmo problema sob olhares diferentes


Nenhum comentário:

Postar um comentário